A solidão de Shadow of the Beast

Shadow of the Beast é um jogo sobre estar sozinho em um mundo hóstil.


Em muitos games, as pessoas jogam para se sentir poderosas, invencíveis. Em Shadow of The Beast eu me senti, sozinho, desolado e atormentado por uma trilha sonora incrível!  

"Bora" conversar um pouco sobre esse clássico das locadoras antigas que com certeza ficava pegando poeira até você alugar. 

 Shadow of The Beast foi lançado originalmente para o Amiga e depois ganhou versões para vários outros consoles, incluindo o Mega Drive, que foi onde eu conheci essa nefasta franquia.

Shadow of The Beast é um jogo considerado cult e é pouco conhecido no Brasil, mas bastante aclamado na Europa. Quem cresceu nos anos 90 e tinha pouco dinheiro para comprar ou alugar cartuchos, provavelmente alugou esse jogo e odiou.

Eu amei!

Esse jogo me marcou muito por ser um dos primeiros a me trazer uma vibe de obscurantismo com uma arte completamente estranha, aliada a uma trilha sonora belíssima.

Um jogo quase filosófico sobre uma pessoa transformada em uma criatura bestial e que, na versão do Mega Drive, dava a impressão de que ele nunca voltaria a ser humano.

A minha nostalgia em relação a essa franquia é muito forte. Ao comprar um PS4, o remake foi o primeiro jogo que comprei para o novo console.

Mas antes de entrar na questão do remake, eu gostaria de saber "por que diabos tudo desse jogo é tão caro"?

 

Por que tudo é tão caro?

Você pode pesquisar no Ebay e no Mercado Livre. Qualquer coisa relacionada a Shadow of The Beast custa uma pequena fortuna.

Cartuchos soltos (sem caixa) para o Mega Drive? Não saem por menos de 90 reais. Originais, é claro. Exclua as versões chinesas e alternativas.

Quer a versão japonesa? 400 reais!

Quer comprar a edição física do jogo para o PS4? 600 reais!

O quê?

Pois é!

Shadow of The Beast assusta qualquer colecionador amador que apenas quer colecionar fragmentos de sua infância em forma de plástico e silício.

Os jogos de Shadow of The Beast são infinitamente mais caros que jogos populares e mais conhecidos.

Eu nunca entendi o motivo, até que o "insight" me foi colocado ao assistir a live do canal Cosmic Effect na Twitch.

O motivo de Shadow of The Beast ser caro no ramo de colecionismo se deve ao fato de que a franquia foi popular do outro lado do mundo, na Europa.

É um efeito que também acontece com Out of this World (Another World).

No entanto, a franquia de Eric Chahi ganhou vários relançamentos em edição física, o que ajudou a aliviar os preços.

Mas isso não explica todo o encantamento por Shadow of The Beast. Por que algumas pessoas têm interesse nesse jogo? Afinal, é um jogo com controles ruins, mecânicas datadas e uma jogabilidade absurdamente punitiva.

A resposta para essa pergunta: arte!

 

Meu primeiro passeio nas vastas planícies

Criado pelo estúdio Reflections e publicado pela Psygnosis, Shadow of The Beast chegaria ao Mega Drive em 1991.

A versão do Mega Drive foi portada por um tal de WJS Design e publicada pela Electronic Arts em 1991.

No Brasil, o jogo foi lançado pela Tectoy com manual e capa em português.

Capa da versão brasileira de Shadow of the Beast, publicada pela Tectoy.

A capa do jogo foi feita pelo lendário artista Roger Dean, o mesmo que fazia artes para capas de albúns de bandas de Rock Progressivo como Yes, Asia e muitos outros. 

Aliás, a arte de Roger Dean, parece ter sido usada como inspiração para a criação de todo o conceito de Shadow of the Beast, com vastas planícies e cenários impossíveis. 


A versão que eu joguei provavelmente era uma versão pirata de Shadow of The Beast.

Era o jogo menos alugado na locadora de jogos, e o dono da locadora sempre me dava de "brinde" se eu alugasse duas fitas.

Então, quando chegava o fim de semana, eu sempre alugava dois jogos para "zerar" e tentava a sorte no Shadow of The Beast.

 

As músicas fascinantes de Shadow of The Beast

Todos sabemos que o Mega Drive não é exatamente um console fantástico no departamento de som.

Eram poucos os criadores de jogos que conseguiam extrair o melhor do chip sintetizador FM Yamaha YM2612.

Chips baseados em sintetizador FM tiveram seu auge nos anos 80, mas a indústria acabou migrando para chips de amostras de hardware de som (como o SPC700 do SNES, os canais ADPCM do Neo-Geo e o Q-Sound do CPS2) e, eventualmente, trilhas sonoras completas em formato de CD.

O grande problema, na realidade, não era o chip presente no Mega Drive, mas sim o mercado, pois a grande maioria dos profissionais não tinha tempo e dinheiro para otimizar as músicas para o console da Sega.

Hoje em dia, com muito mais compreensão do chip e tempo livre para os desenvolvedores, vários músicos conseguem entregar músicas com muito mais qualidade, como você pode conferir neste vídeo da demo de Castlevania: Symphony of the Night Remake.

Ainda assim, o programador que converteu Shadow of The Beast para o Mega Drive conseguiu extrair o melhor do YM2612 e nos entregou uma trilha sonora marcante com músicas incríveis.

A trilha sonora de Shadow of The Beast pode parecer um pouco exagerada ao ouvir com fones de ouvido, mas para as caixas de som ruins das TVs baratas, essas músicas soavam incríveis, pois conseguiam se destacar em meio à chiadeira das TVs ruins e nos entregar obras-primas como esta abaixo.

 


 


Uma sinfonia de músicas era apresentada quase em sequência, martelando a cabeça do jogador com hits que ficavam na memória imediatamente, e você ia assoviá-las no ônibus ou na hora do recreio.

As músicas de David Whittaker tem um tom sombrio e ao mesmo tempo entregam uma tristeza que é palpável. 

"Você nunca mais será humano" é o que vinha a minha mente ao ouvir a música introdutória. 

A música do cenário Underground que se passa dentro da "árvore" me lembra as músicas daqueles flautistas peruanos. Já a música do chefe final dessa "fase" é bem sombria.

 

Esqueça a história, crie a sua

Nos anos 90, ninguém ligava muito para a história dos jogos. Pelo menos, ninguém na minha condição financeira.

Afinal, geralmente pegávamos a fita pirata, sem manual e sem nenhum tipo de informação em português sobre o jogo.

A capa da versão pirata de Shadow of The Beast é a mesma do fundo desse blog, apenas um grupo de criaturas estranhas e com visual alienígena.

Como os jogos eram em inglês, ninguém tinha ideia da história.

Eu, por exemplo, achava que o personagem roxo aí era um tipo de "humano bode" que havia sido transformado por um demônio, a "besta".

Tente descrever essa cena para alguém e vão dizer que você está sob efeito de "substâncias".

No colégio, a galera apelidava o jogo de "o jogo do chupa-cabra".

Eu pensava que a única missão em Shadow of The Beast era sobreviver até o final e derrotar o "pé grande".

Para ter uma compreensão melhor do jogo, comecei a anotar as frases que apareciam na transição dos cenários.

Isso só me deixou ainda mais confuso.

Se você deseja compreender a história de Shadow of The Beast, há vários textos e wikis para explorar. Aqui, vou relatar como foi a minha interpretação do jogo.

Para mim, Shadow of The Beast tratava-se de um monstro tentando recuperar sua humanidade, e que no final, ele não conseguia.

Você já deve ter percebido que minha interpretação do jogo meio que coincide com a história original, mas com um final diferente.

A explicação para isso é bem simples: o final do Mega Drive não deixava claro que o personagem conseguiu voltar à forma humana. Acredito que o único final que tenha uma animação do personagem voltando à forma humana seja na versão de 1992 do TurboGrafx-16/PC Engine.

 

Os sentimentos ao jogar Shadow of The Beast

Videogames tendem a seguir sempre os mesmos arquétipos.

Os jogos mais recentes querem que o jogador se sinta poderoso, dominador de tudo e de todos.

Sentir-se triste, solitário em uma terra distante, com olhos saltitantes e um dirigível ao fundo, não é exatamente o sentimento de "poder".

Desolação é o sentimento que mais me vem à cabeça ao jogar Shadow of The Beast, mais do que isso... solidão!

As formas estranhas e a ausência de criaturas humanoides deixavam bem claro que aquilo ou não era a Terra, ou era a Terra dominada por demônios.

Dentro de uma caverna de uma árvore gigante havia um "barco-caveira".


Você é literalmente o último ser humano deixado para morrer no que já foi a Terra.

Shadow of The Beast estimulava bastante a imaginação. 

Seu efeito parallax no cenário inicial me fazia sonhar com lugares distantes e mundos fantásticos. Essa sensação eu só fui ter novamente com Out of this World, outro clássico cult dos anos 90.

Como eu disse acima, na minha interpretação, o personagem nunca voltaria à forma humana. Apesar de consciente, ele ficaria sozinho, perdido para sempre.

Para mim, esse final que eu criei na minha cabeça era o que combinava com a trilha sonora, especialmente com a música tema.

 

Jogabilidade desafiadora

Não preciso nem dizer que Shadow of the Beast tinha aquele tipo de dificuldade punitiva dos jogos dos anos 80 e 90.

Você tinha que memorizar tudo, e os controles da versão de Mega Drive eram muito precisos. O soco do personagem durava poucos frames, e se você errasse o timing, receberia muito dano.

Levei alguns dias para perceber que se eu fosse para trás em vez de ir para frente, lembrando que nos jogos 2D dos anos 90, andar para frente era literalmente andar para a direita da tela.

As duas primeiras partes do jogo, a floresta e o interior da árvore, são as mais difíceis e levam muito tempo para absorver todas as informações e compreender o que precisa ser feito.

Ao derrotar o segundo chefe e sair pelo poço, o jogo fica um pouco mais fácil, com a possibilidade de coletar "força". Aliás, não há vidas, apenas uma. Se você perder, volta para o começo!

Essa volta de ir para a esquerda para depois ir para a direita é necessária por conta de uma chave que é necessária para abrir uma porta no castelo no final das planícies.

Além disso, vale mencionar que 2/3 do jogo não tem fases, são cenários interconectados.

Então, dá para dizer que Shadow of the Beast é meio que um "mundo aberto"? Pois você pode ir e voltar, desde que não caia em alguns locais.

O game é curto se você souber todos os enigmas e dura menos de meia-hora. Contudo, quando eu era criança, era muito complicado descobrir para que servia cada objeto e como matar cada chefe. 

 

O legado de Shadow of the Beast 

Parabéns, se você jogou sem manual, ficou sem entender nada do final.

Shadow of the Beast ganharia ainda duas sequências para computadores e um terceiro jogo para PlayStation 4, que mais parece um reboot. 

O segundo jogo chegou a sair para Mega Drive, mas não tive oportunidade de jogar na época. 

Mais alinhado com a história, o remake de PS4 não me passou a mesma sensação de desolação do primeiro game. 

Contudo, o rearranjo da trilha sonora é algo primoroso e digno da nota. 

Shadow of the Beast é uma das franquias que mais marcou a minha infância.

Seu mundo desconexo, cheio de criaturas estranhas e com uma trilha sonora marcante, me cativou e ensinou que videogame não é feito apenas para agradar o jogador, mas também como um atestado da visão dos artistas por trás dele.

E você como conheceu Shadow of the Beast? Também é atormentado por essa trilha sonora até hoje?


 



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